27 novembro 2006

Paradoxos

Eduardo Galeano

Se a contradição for o pulmão da história, o paradoxo deverá ser, penso eu, o espelho que a história usa para deboxar de nós.
Nem o próprio filho de Deus salvou-se do paradoxo. Ele escolheu, para nascer, um desero subtropical onde jamais nevou, mas a neve se converteu num símbolo universal do Natal desde que a Europa decidiu europeizar Jesus. E para mais inri , o nascimento de Jesus é, hoje em dia, o negócio que mais dinheiro dá aos mercadores que Jesus tinha expulsado do templo.
Napoleão Bonaparte, o mais fracês dos franceses, não era francês. Não era russo Josef Stálin, o mais russo dos russos; e o mais alemã dos alemãs, Adolf Hitler, tinha nascido na Áustria. Margherita Sarfatti, a mulher mais amada pelo anti-semit aMussolini, era judia. José Carlos Mariateghi, o mais marxista dos marxistas latino-americanos, acreditava fervorosamente em Deus. O Che Guevara tinha sido declarado completamente incapaz para a vida militar pelo exército argentino.
Das mãos de um escultor chamado Aleijadinho, que era o mais feio dos brasileiros, nasceram as mais altas formosuras do Brasil. Os negros norte-americanos, os mais oprimidos, criaram o jazz, que é a mais livre das músicas. No fundo de um cárcere foi concebido Dom Quixote, o mais andante dos cavaleiros. E cúmulo dos paradoxos, Dom Quixote nunca disse sua frase mais célebre. Nunca disse: Ladram, Sancho, sinal que cavalgamos.
"Acho que você está meio nervosa", diz o histérico. "Te odeio", diz a apaixonada. "Não haverá desvalorização", diz, na véspera da desvalorização, o ministro da Economia. "Os militares respeitam a Constituição", diz, na véspera do golpe de Estado, o ministro da Defesa.
Em sua guerra contra a revolução sandinista, o governo dos Estados Unidos coincidia, paradoxalmente, com o Partido Comunista da Nicarágua. E paradoxais foram, emfim, as barricadas sandinistas durante a ditadura de Somoza: as barricadas, que fecharam as ruas, abriram o caminho.

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