05 dezembro 2006

Revirando Arquivos

DESAPRENDENDO A LIÇÃO

Afonso Romano de Sant'anna

"Há uma idade em que se ensina o que se sabe, mas em seguida vem outra idade em que se ensina o que não se sabe." Esta frase de Roland Barthes é instigante. Desmestifica a prática usual do ensino. Por isto ele continua seu pensameto afirmando que é preciso "desaprender", "deixar trabalhar o imprevisível" até que surja a chamada "sapiência", uma sensação de "nenhum poder, um pouco de saber", mas com "o maior sabor possível."

E num seminário em Paris praticando a errância do saber, propôs aos alunos que o encontro na classe não tivesse tema pré-determinado. O desejo inconsciente do saber é que deveria aflorar o tema. Ali os alunos deveriam não apenas desejar saber, mas saber desejar. Desejar o saber é uma primeira etapa. Mas saber desejar é refinada atitude. Entre um e outro vai a distância do canibal ao gourmet.

Como derivações das colocações de Barthes se poderia dizer: o professor pensa ensinar o que sabe, o que recolheu dos livros e da vida. Mas o aluno aprende do professor não necessariamente o que o outro quer ensinar, as aquilo que quer aprender. Assim o aluno pode aprender o avesso ou o diferente do que o professor ensinou. Ou aquilo que o mestre nem sabe que ensinou, mas o aluno reteve. O professor, por isto, ensina também o que não quer, algo que não se dá conta e passa sileciosamete pelos gestos e paredes da sala.

É, aliás, a mesma história que se dá com o texto. O autor se propõe a dizer uma coisa, mas o leitor constrói sua leitura segundo suas carências e iluminações. Por isso se equivocou Jacques Deridá a dizer que o texto escrito segue livre sem paternidade, equanto o discurso oral é tutelado pelo orador. O orador também não controla o seu discurso, pelo simples fato de estar presente. A palavra ao serpronunciada já não nos pertence. O orador é falado pelo seu discurso. Fala-se o que pensa que se sabe, ouve-se que se pensa que foi pronunciado. O setido é construido a muitas vozes e ouvidos, harmonicamente. Tinha razão o polifônico Sócrates: "a verdade não está com os homens, mas entre os homens."

Repitamos a frase de Bathes: "Há uma idade em que se ensina o que se sabe, mas em seguida vem outra idade em que se ensina o que não sabe." E adicionemos o seguinte raciocínio: e geral pensa-se que o professor é aquele que "fala", que preenche com seu encachoeirado discurso uma aula de 50 minutos ou um seminário de três horas. Este é um conceito de esino como uma atividade "oracular" da parte do mestre, que se complementa numa passividade "auricular" da parte do aluno. Contudo, assim como o espaço em branco é importante no poema, assim como a pausa organiza a música, o saber pode brotar do silêncio. O jorro contínuo de palavras pode onstentar apenas ansiedade. O conhecimento pode se instalar no entreato. O silêncio também fala. E isso que se aprende durante as ditaduras. E, por outro lado, durante as democracias se aprende que o discurso nem sempre diz.

Portanto, a audácia de desaprender o apredido, soma-se à audácia do silêncio. No princípio era o verbo. A construção do silêncio exige muitas palavras. O escritor, por exemplo, constrói uma casa de palavras para ouvir seu silêncio interior.

Comecei falando em Barthes. E aquela frase inicial dele remete não só para a questão do "saber" e do "sabor", mas do "saber" e do "poder". Na verdade, enriquece-se o saber combatendo o poder que ele aparenta. E uma forma de incrementar o poder é o "perder". Assim o melhor professor seria aquele que não detém o poder nem o saber, mas que está disposto a perder o poder, para fazer emergir o saber múltiplo. Nesse caso, perder é uma forma de ganhar e o saber é recomeçar.

E para terminar, nada melhor que uma frase de outro desconstrutor da verdade, que é Guimarães Rosa: "Mesre não é quem ensina, mas aquele que, de repente, aprende".

Discurso aos formado de Letras da UFRJ, proferido no dia 28 de agosto de 1986, Rio de Janeiro.

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