27 junho 2006

Como Nascem as Notícias [parte 2]

Foi na segunda visita que fiz a seu apartamento, já com a CPI dos Correios a pleno vapor, que ele me mostrou até onde ia seu empenho como “voluntário”. Com a televisão ligada no depoimento de um dos acusados de operar o “esquema mensalão”, ele se comunicava com alguém que estava na CPI através de um de seus três celulares. “Os arapongas estão assanhados, a Polícia Federal também, um dos meus telefones está grampeado”, explica.

Antes de testemunhar mais uma tarde de seu trabalho, peço autorização para escrever sobre o que presenciei em minha outra visita e perguntar mais sobre a sua profissão. Explico que, mais do que as informações sobre o escândalo, o que me interessa é mostrar de que modo circulam as informações, como os encândalos que caem nas graças da imprensa são alimentados com tanta rapidez. Ele concorda, desde que sua identidade seja preservada. Vai até o computador, abre o correio eletrônico e me chama para ver uma mensagem recém-enviada a um assessor parlamentar de um deputado da oposição, com quem falava no celular quando cheguei.

Para minha surpresa, é um e-mail enorme, contendo dez perguntas dirigidas ao sujeito que depõe nesse mesmo momento na CPI, acompanhadas de detalhes sobre a vida do “alvo” sustentando o questionário. O patrimônio, as contas, as viagens de avião (acompanhadas dos prefixos dos jatos), os nomes que teriam sido indicados pelo acusado para ocupar cargos públicos, as empresas que teriam contribuído com o caixa dois, está tudo ali, de bandeja. “Dinamite pura, hein? Esse governo cai”, comemora.

“E por que derrubar o governo?”, pergunto, começando a duvidar que tanto empenho seja realmente “voluntário”, como ele diz. A resposta não poderia ser mais surpreendente vinda de um homem que se declara de direita e que ganha dinheiro como lobista profissional: “Porque o Lula foi uma decepção, não fez nada pelos pobres, se vendeu ao FMI”.

Ele acha graça ao perceber minha expressão de descrença. “Você pode não acreditar, mas, mesmo sendo de direita, defendo a necessidade de existir um partido de esquerda, um partido que esteja fora do esquema, como era o PT antes de assumir o governo. Claro, o PT roubou muito menos do que os outros governos. Em uma única jogada o governo Fernando Henrique ganhou três vezes mais, comprando ações lá fora da Petrobrás, por exemplo, dias antes de comunicar ao mercado a exploração de mais um campo de petróleo, vendendo os papéis logo depois de fazer o anúncio oficial da descoberta, o que triplicou o valor das ações. Cada notícia de que uma estatal seria privatizada era precedida da mesma operação: o Sérgio Motta anunciava que a empresa seria leiloada, as ações subiam vertiginosamente, e eles vendiam no primeiro dia da alta. Nada de ganhar mais e se arriscar ao flagrante. Os caras sabiam o que faziam. O PT, não, o PT não sabe nem pode roubar. A esquerda tem de ser franciscana, não pode se corromper, tem que fazer como os partidos comunistas europeus, administrar as prefeituras e ser oposição em âmbito federal. Quem quer ser governo tem que conhecer o esquema, ter aliados reais, cúmplices de muitos negócios. O PT não sabe nem como operar: imagine esse Delúbio, que é um caipirão goiano, um sindicalista militante do PT, e esse outro Silvinho, que não consegue nem falar português descentemente, operando o esquema! Isso aí é coisa pra quem sabe, pra Sarney, ACM, Sérgio Motta. Estava na cara que eles iam ser apanhados.”

Comento que a imprensa parece escolher sempre a hora de um escândalo eclodir Afinal, em setembro do ano passado, o Jornal do Brasil já havia publicado a história do “mensalão” e a Veja uma matéria falando das divergências financeiras entre o PT e o PTB. Por que, a exemplo da entrevista com a testemunha feita por seu amigo repórter, o escândalo levou nove meses para explodir? Por que as mesmas informações não provocaram aquele frenético fluxo de notícias do qual ele faz parte, como tantas outras “fontes”, lobistas, aquilo que ele chama de “mercado” da informação?

“Porque o escândalo ainda não estava maduro”, ele diz, um tanto enigmaticamente. “Veja, no caso Collor foi a mesma coisa, um jornalista de uma revista semanal já havia seguido o PC, antecipado tudo que se diria depois, publicado a matéria, e mesmo assim o caso só ganhou força com a entrevista de Pedro Collor, seis meses depois. Era o momento de Collor cair, já não interessava mais mantê-lo ali.”

“Não interessava a quem?”, insisto, mesmo sabendo a resposta. “Não interessava a quem dá as cartas de fato, aos donos do poder, do dinheiro, do esquema. O governo do PT estava se tornando uma ditadura pior que a dos milicos, tentou enquadrar a imprensa com aquele conselho de ética, usa a Polícia Federal pra fazer terrorismo, invadindo escritórios de advocacia, prendendo empresários trabalhadores por sonegação, por caixa dois, coisa que todo mundo faz nesse país, até porque a carga tributária impede o trabalho cem por cento honesto”, justifica. “Eles não merecem confiança, são bolcheviques, roubam para a causa. Claro, tem gente ganhando pra si também, mas não é essa a cabeça deles, pensam que estão acima do bem e do mal, que têm o monopólio da ética. São arrogantes, tratam todo mundo como se fossem melhores que os outros, só podia acontecer isso mesmo”, comenta.

Antes de me despedir uma pergunta: “Você disse que lobby sempre envolve dinheiro. E no caso dos jornalistas isso não rola?”

Ele defende os companheiros de trabalho: “hoje em dia é muito raro, os jornalistas são sérios, o que querem é informação. Claro, um colunista que tem o patrocínio de determinada empresa não vai escrever contra ela, assim como os donos de jornais e revistas têm suas preferências políticas. Não são movidos a propina, mas têm seus aliados. No governo FHC houve uma quantidade enorme de escândalos abafados”.

Vai até uma gaveta, tira uns papéis e empilha na mesa. “Olha, tudo isso aqui me foi entregue na última campanha por um político do PFL”, conta. Dou uma olhada nos papéis. Há uma denúncia contra o filho de FHC que teria ganhado dinheiro como lobista durante os governos do pai, um dossiê contra um
ex-ministro que seria sócio oculto de empresas que atuavam no setor que fiscalizava, documentações de tramitações suspeitas envolvendo membros de governos anteriores e empresas privadas, notícias de desvio de dinheiro que teria sido feito por familiares e assessores de governantes.

“Isso ficou parado porque o político para quem eu trabalhava não quis usar, e eu sabia que não interessava à grande imprensa, claramente a favor dos tucanos”, explica.

Cito o nome de um repórter apontado como “contratado” de um grande grupo privado para plantar matérias do interesse do cliente na revista em que trabalha, cujo dono também é acusado de vender matérias de capa a empresários com dificuldades. Acrescento que há conversas gravadas e e-mails por trás das denúncias publicadas por outra revista semanal, essa fora do seu currículo de relações. Ele afirma ser amigo de ambos os denunciados e acrescenta, irônico: “Foi nessa revista que saiu? Então não faz mal. Essa ninguém lê”. Ele sentencia isso, embora a tiragem de ambas as revistas – denunciante e denunciada – seja praticamente a mesma.

O telefone toca mais uma vez. Ele pede um momento ao interlocutor, e me acompanha até a porta. Mas não resiste a antecipar a novidade com que brindará mais esse jornalista: “Vão pegar a filha do presidente agora, um contrato dela com uma empresa sustentada por um banco estadual federalizado. Pode anotar, o Lula já era”■

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