18 junho 2007

O Julgamento da Árvore


por Paulo Roberto Leandro


Situada em um dos parques nacionais mais visitados do Brasil, capaz de atrair gente do mundo todo e que nem passa por salvador, a Chapada Diamantina terá o privilégio de colocar frente a frente, em 15 de junho [de 2007], na Câmara de Vereadores de Lençóis, o debate que vem mobilizando pensadores desde a Antiguidade: a natureza e a cultura.
Uma árvore cuja copa toma o diâmetro da massa, de tão imponente, está ameaçada por ter sido plantada em local polêmico: bem em frente ao novo Teatro Afrânio Peixoto, que ficou com sua bela fachada encoberta pelo vegetal e precisa ser inaugurado com toda a pompa.
Respaldados pelos especialistas, as autoridades do saber, alegam os adversários da árvore que suas raízes tentaculares estariam prestes a danificar a estrutura de casas até em ruas distantes, tal a grandiosidade da planta conhecida vulgarmente como pé-de-fico.
Afirmam ainda que nada há de extraordinário na árvore. A execução iminente vem gerando o clamor popular, reforçado pela tragédia recente da extração de 11 amendoeiras que viviam em Lençóis desde 1962, oferecendo sombra e beleza, mas foram trocadas pelo novo projeto urbanístico da entrada da cidade, orçado em 1,4 milhão. Árvores transplantadas da serra como substitutas não resistiram à operação de emergência, duplicando a tragédia.
Embora aparentemente simples, o debate entre cultura e natureza remete à instigante questão do limite de atuação da humanidade nas suas interferências no planeta e na existência de outros seres e espécies, vivas ou de outras dimensões, como os minerais.
Por acontecer em local privilegiado, o mais procurado Parque Nacional - o da Chapa Diamantina – o julgamento da árvore ganha uma proporção maior e amplia seu raio de alcance. O que está na mira da motosserra não é apenas um tronco idoso e robusto, mas a concepção da natureza construída pelo homem desde a descoberta do fogo ou da morte do pai da horda primitiva.
Ao destruir a árvore teremos a satisfação e a segurança de ver emergir a cultura. Para completar a força simbólica o teatro que precisa ser visto é vizinho à Casa de Cultura Afrânio Peixoto, médico, professor e literato lençoense, que poderia [merecia] ganhar uma homenagem menos problemática, pois corre o risco de ter sua memória associada a uma condenação da natureza.
Os descrentes do significado das instituições antecipam o veredicto. A árvore será mesmo arrancada e não adiantaram argumentos místicos do tipo que o Karma gerado será cobrado mais adiante sob a forma de provações. A vaidade do diamante vencerá. Para erguer a cultura, é preciso negar a natureza. Aprisionado nesta estrutura de pensar o mundo, o ser humano se percebe sem ação para desafiar a si próprio e à sua mania ancestral de cortar árvores.