20 agosto 2006

Eleições 2006

Falar de saúde, educação e segurança não é fazer programa de governo
Gilberto Maringoni

Sempre que começa uma campanha eleitoral, a imprensa, as páginas de notícias da internet e o horário eleitoral arvoram-se em procurar detalhar o “programa” dos diversos candidatos. Por programa entende-se, nestes casos, o que cada um fará nas áreas mais sensíveis da administração pública, como saúde, educação, transportes, segurança etc. etc. Todos têm propostas para tudo.

Funciona mais ou menos assim. Na saúde teremos policlínicas integradas com pronto-socorro vinculado à pediatria computadorizada, que alimentará um banco de dados centralizado com o objetivo de cruzar os diagnósticos de toda a cidade, fornecendo assim toda a informação necessária ao tratamento preventivo de várias enfermidades. Ou ainda unidades móveis de atendimento, para recuperar o conceito do médico de família, com atenção personalizada em qualquer região. Na educação, a progressão descontinuada, somada aos modernos métodos de avaliação e pontuação, aliados à cursos de informática e gerenciamento de merenda facultarão a cada estudante a bolsa-escola, a bolsa creche, a bolsa-família e a bolsa-bolsa. Para a área de transportes, nossa proposta é realmente revolucionária. Vamos colocar os carros circulando nos túneis do metrô, onde não há trânsito e vamos colocar o metrô – que sabidamente alivia o tráfego – nas ruas, para reduzir o número de veículos em circulação. Etc. etc. etc....

Parece que isso tudo é programa, mas não é. Apresenta-se ao eleitor um rosário de pequenas idéias engenhosas e o cidadão acha que estão ali, na sua frente, discutindo projetos para sua cidade e seu país. Não estão.

O essencial é invisível aos ouvidos
A melhor maneira de se evitar falar do essencial não é ficar quieto. É falar de tudo o que é secundário, sem estabelecer ligações e conexões entre as coisas. Tudo é verdade, policlínicas são legais, metrô desafoga trânsito e escolas modernas apresentam vantagens. Mas são idéias parciais, meias-idéias, que parecem viáveis. Basta estilhaçar as informações e apresentá-las como se não fizessem parte do mesmo planeta ou cidade, para desorientar qualquer um. Não há interesses a serem contrariados ou favorecidos. Como são sugestões soltas, volta e meia aparece um candidato alegando ter sido plagiado por outro. O que se apresenta como programa político não é programa e muito menos é algo político. É aplicar a marquetagem com o propósito de entreter o público, enquanto os negócios seguem em frente.

O debate sobre segurança pública é, de todos, talvez o que mais se ressinta dos males da fragmentação. O país vive uma situação de caos na área e os programas das candidaturas, com poucas exceções, não passam da cantilena de “leis mais duras”, “mais energia”, “mais presídios”, “rota na rua” e lorotas do tipo. Não se faz uma ligação com o fato do país não crescer há 25 anos, com uma das piores distribuições de renda e de riqueza do mundo e incapaz de gerar empregos suficientes para absorver a juventude que ano a ano chega ao mercado de trabalho.

Haverá dinheiro para cumprir tais e quais promessas? Mantida a atual lógica de financiamento do Estado, é claro que não. Com a ditadura das sucessivas equipes econômicas sobre o orçamento público, não há como criar novos programas ou realizar ações prometidas em campanha.

O irônico é que o financiamento é justamente o ponto cego das campanhas. Para responder à pergunta “de onde virá o dinheiro?”, é preciso discutir economia e política econômica. Sobre isso, a maioria dos candidatos silencia (justiça seja feita, o segundo programa eleitoral de televisão da senadora Heloísa Helena foi todo dedicado ao tema).De nada adianta prometer, se 40% do orçamento público é anualmente seqüestrado para a consolidação do superávit primário, que garante a rentabilidade dos títulos da dívida pública para os especuladores de pequeno e de grande calado. Os caminhos e descaminhos dessa enormidade de dinheiro que, somado aos pagamentos de juros e serviços da dívida financeira, chega a R$ 160 bilhões ao ano, são determinados pela equipe econômica que a todos governa.

O ministério de tudo
Quem manda e desmanda no país, quem faz e desfaz políticas sociais e de investimento são os senhores do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Este time é responsável não apenas pelas questões diretamente afeitas à sua alçada – moeda, câmbio, juros e afins – mas por quanto de reforma agrária poderá ser feita, quanto de remédios será possível comprar para os hospitais públicos e por aí vai. Quem faz política social no Brasil é a equipe econômica.

Desde que as tais equipes econômicas ganharam proeminência na vida brasileira, a partir de 1990, estamos submetidos a uma espécie de ditadura. Com o auxílio da maioria da imprensa, impediu-se o debate de alternativas, reforçado pelo fato de que os quatro presidentes que chegaram ao Planalto a partir de então mantiveram a mesma orientação. Aparentemente vive-se um clima de total liberdade de expressão no país, em que a opinião contrária é sempre desqualificada ou encontra pouco espaço para se manifestar. “Fracassomaníacos”, “nhénhénhé”, “não há alternativas” são as expressões cunhadas nesses tempos. Faz-se de tudo para que a economia não seja sequer parte dos debates desse período, quando deveria ser o centro.

O Brasil saiu de um período de 21 anos de ditadura política, em 1985, entre outras coisas porque a economia rateava. O país, quebrado em 1982, estava em recessão, a inflação explodira e o povo estava indômito contra as más condições de vida. Passamos cinco anos – de 1985 a 1990, que coincidiram com o governo José Sarney – de intensa disputa de rumos.

Governo em disputa mesmo
Aliás, o governo Sarney foi o governo mais disputado dos últimos vinte anos. Não havia um roteiro preestabelecido. Tivemos ali a mais progressista e preparada equipe econômica do período, constituída por Dílson Funaro, João Sayad, Luiz Gonzaga Belluzzo, João Manoel Cardoso de Mello e Paulo Nogueira Batista Jr. Nunca mais o país viu algo semelhante. De Marcílio a Mantega, impera o que os argentinos chamam de “pátria financeira”.

A orientação liderada por Funaro durou cerca de um ano e meio e tinha como norte o documento “Esperança e mudança”, o programa do PMDB de 1985, talvez o melhor texto partidário pós-ditadura. Francamente anti-liberal, foi também uma espécie de baliza para as teses de democratização, soberania e reorganização do Estado na constituinte de 1988. O PMDB não é mais o mesmo, mas estas são páginas que valeria a pena recuperar. Foi possivelmente o último projeto de país articulado a partir de um ponto de vista progressista e democrático que tivemos. Encarava o Brasil como uma totalidade e não a partir de demandas setoriais. Não buscava particularizar pretensas idéias miúdas desconectadas do foco econômico.

A ditadura econômica subverteu essa lógica. Segmentar e tentar fazer com que o debate se dê em raias estreitas é a melhor maneira de não se voltar para o centro articulador de tudo. Por isso o modelo econômico, que freia o desenvolvimento, corta investimentos e impede o país de crescer, enquanto os lucros bancários atingem patamares pornográficos, tornou-se um não-tema nesta campanha eleitoral. Tudo é tudo e nada é nada.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista da Carta Maior, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

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2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

De fato, é lastimável que o capitalismo com o seu extremísmo material tenha imperado desde o período pós-abertura 1985 em diante. A democracia das "Diretas Já" imperou num só instante capaz de encobrir a ditadura aberta. De lá prá cá, ela - a ditadura - está fechada sob um manto peseudo-demoncrático movimentado por um capitalismo globalizado de extrema selvageria que envolve ricos interesses de uns poucos em detrimento da qualidade de vida e da felicidade de tantos que de fato trabalham, se sacrificam e sofrem para sustentar a megera mascarada.
A solidariedade ainda impera nesse grupo que é bem maior do que a minoria "política" dominante; e tal cultura e sentimento solidários mantém em certo equilíbrio tal grupo isoladamente; porém, é certo afirmar que ainda não é suficientemente forte para romper as barreiras e adentrar ao poder de decisão nacional sem que se macule em sua essencia. A tal minoria dominante é forte e tem demonstrado isso ao longo de todos esses anos.
Sabemos que quem faz a luta é o povo, a maioria!
Mas, até então, quem sempre ganha os louros e ouros é a minoria que domina os títulos.
Título é só para quem compra.
Não há doações, muito menos socialmente solidárias; há negociações, na sua maioria, imorais.
Não há ideologia no poder: há interesses geralmente econômicos.

É triste, exaustivo ...

Mas, não se pode recuar na luta de conscientização. É o único caminho para uma reforma do nosso País que ainda "não é nação": educar nos bastidores, nos pequenos atos, nos pequenos discursos, nas conversas de bar, nas pequenas comunidades, na família, nas escolas, no recreio, nas ruas com as pessoas que nos consultam sobre algum fato, neste blog ... e ... apesar da gestação ser longa, vamos pagar pra "ver o jardim florescer qual aqueles não queriam!" "E ver o dia raiar sem lhes pedir licença!"

E nós vamos morrer de rir e esse dia há de vir antes do que eles pensam! Apesar de tudo!

Tá lindo tudo isso, bem esclarecedor o texto publicado.
Vamos prosseguir.

Pois, vivendo o meu dia-a-dia cercado de leis e regulamentos que se transmutam diariamente no interesse político (já temos mais de 11.000 leis ordinárias), cheguei a conclusão de que só precisaria um único dispositivo legal para regular toda uma sociedade, todo um universo, que eu denomino de:

"Artigo Único da Constituição Universal - Se o bem você não pode fazer ou não quer fazer, pelo menos o mal não faça, Seu .....!"

Todos sabem quando fazem algo que ofende, agride alguém na sua pessoa ou no seu patrimônio.
Mesmo assim, fazem!

Um beijão em você Amanda.
Manda ver!

Lula

22 agosto, 2006 11:53  
Blogger Luciana Cavalcanti said...

Amanda... esse teu Blog tem conteúdo, viu? Muito bom. POLÍTICO, CRÍTICO... Gostei!

23 agosto, 2006 22:31  

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