30 dezembro 2006
Oração
Não era à toa que ela entendia os que buscavam caminho. Como buscava arduamente o seu! E como hoje buscava com sofreguidão e aspereza o seu melhor modo de ser, o seu atalho, já que não ousava mais falar em caminho. Agarrava-se ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde ela fosse finalmente ela, isso só em certo momento indeterminado da prece ela sentira. Mas também sabia de uma coisa: quando estivesse mais pronta, passaria de si para os outros, o seu caminho era os outros. Quando pudesse sentir plenamente o outro estaria salvo e pensaria: eis o meu porto de chegada.
Mas antes precisaria tocar em si própria, antes precisava tocar o mundo.
Marcadores: literatura
19 dezembro 2006
dançar - primeiros dons
Pena ter faltado humildade na dançante retratada pela música. Não sei o tom da música mas sendo o da letra a ironia creio que Chico levou um baita fora de uma bailarina. Quem dera outros foras redeçem valsinhas lindas como essa. Bailemos!
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina que não tem
E não tem coceira
Berruga nem frieira
Nem falta de maneira
Ela não tem
Futucando bem
Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina
Todo mundo tem um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem
Nem unha encardida
Nem dente com comida
Nem casca de ferida
Ela não tem
Não livra ninguém
Todo mundo tem remela
Quando acorda às seis da matina
Teve escarlatina
Ou tem febre amarela
Só a bailarina que não tem
Medo de subir, gente
Medo de cair, gente
Medo de vertigem
Quem não tem
Confessando bem
Todo mundo faz pecado
Logo assim que a missa termina
Todo mundo tem um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem
Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem
O padre também
Pode até ficar vermelho
Se o vento levanta a batina
Reparando bem, todo mundo tem pentelho
Só a bailarina que não tem
Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem
Procurando bem
Todo mundo tem...
Marcadores: dança
13 dezembro 2006
Hoje é dia de Mario
OBITUARIO CON HURRAS
vengan todos
los inocentes
los damnificados
los que gritan de noche
los que sueñan de día
los que sufen el cuerpo
los que alojan fantasmas
los que pisan descalzos
los que blasfeman y arden
los pobres congelados
los que quieren a alguien
los que nunca se olvidanvamos a festejarlo,
vengan todos
el crápula se ha muerto
se acabo el alma negra
el ladrón
el cochino
se acabo para siembre
hurra
que vengan todos,
vamos a festejarlo
a no decir
la muerte
siempre lo borra todo
todo lo purifica
cualquier día
la muerte no borra nada
quedan
siempre las cicatrices
hurra
murió el cretino,
vamos a festejarlo
a no llorar de vicio
que lloren sus iguales
y se traguen sus lágrimas
se acabo el monstruo prócer
se acabo para siempre
vamos a festejarlo
a no ponernos tibios
a no creer que este
es un muerto cualquiera
vamos a festejarlo,
a no volver
nos flojos
a no olvidar que este
es un muerto de mierda.
Marcadores: história, latino-américa
12 dezembro 2006
Os 'Culpados' Ontológicos ou Tom Maior
"Está em você o que o amor gerou / Ela vai nascer e há de ser sem dor / Ah, eu hei de ver você ninar ela dormir / Fazer andar, falar, cantar, sorrir / E quando ela crescer vai querer ser mulher do bem / Vou ensiná-la a viver onde ninguém é de ninguém / Mas vai amar a liberdade / Só vai cantar em tom maior / Vai ter a felicidade de ver o Brasil melhor" (Martinho da Vila)
Com algumas modificações... eis nossa oração das rodas de samba!
Chico no tamborim, Hélio no ganzá, Tonho no surdo, Maike no Reco-reco, e nós no gogó (Meriu, Botcha, Guinha, eu, ...) acolhidos debaixo do pé de serigüela verdinho, verdinho...
07 dezembro 2006
Juro
Para refletir...
Juramento ou Compromisso?
(em Rev. Assoc. Med. Bras. vol.48 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2002; doi: 10.1590/S0104-42302002000400002 )
Artigo publicado em The Lancet, Vol 359 de 9 de fevereiro de 2002, traz à tona questão central para nossa reflexão, qual seja o juramento médico. Um expressivo número de entidades médicas norte-americanas e européias considera mais adequado para a contemporaneidade substituir o tradicional juramento hipocrático por um termo de compromissos. Apresentam como princípios fundamentais a primazia do bem-estar e autonomia do paciente, assim como a busca de justiça social eliminando as discriminações baseadas em raça, gênero, etnia, religião e posição socioeconômica.
Tratam os autores ainda de responsabilidades profissionais como competência, honestidade com pacientes, confidencialidade, adequada relação médico-paciente, busca de uma melhor qualidade de vida e acesso aos cuidados de saúde, justa distribuição de recursos e habilidade na condução de conflitos de interesses.
Comentário
Consideramos inteiramente pertinente a abordagem realizada pelos autores. O juramento hipocrático, escrito por volta do ano 420 a.C, é um documento precioso da história da humanidade, porém refere-se a práticas realizadas à época e, portanto, incompatíveis com os avanços da hodierna medicina. Em seu enunciado evoca deuses do Olimpo grego como Apolo, Eusculápio, Higéia e Panacéia e considera indigna do exercício profissional práticas cirúrgicas que somente deveriam ser executadas por práticos.
Desde o sec. XVIII aprendemos com Immannuel Kant a respeitar a autonomia do ser humano portador de dignidade e, portanto, não podendo ser utilizado como meio por ser um fim em si mesmo. Trata-se de um imperativo categórico do filósofo alemão.
Mais recentemente, Jürgen Habermas, herdeiro da Escola Filosófica de Frankfurt, considera ser impossível fundamentar qualquer procedimento ético sem considerar uma comunidade em permanente comunicação. Ponto-chave na argumentação de Habermas é a passagem do singular para o universal. Inconcebível na modernidade, portanto, uma pessoa como emissora da verdade impondo heteronomamente suas decisões sobre outra que as recebe passiva e acriticamente.
Em conclusão, parece mais sensato substituir um juramento revestido de caráter religioso por compromissos que não somente os médicos, mas toda sociedade humana reconheça como autênticos.
José Eduardo de Siqueira
Marcadores: memória
06 dezembro 2006
Vengo a oferecer mi corazon
Quien dijo que todo esta perdido,
Yo vengo a ofrecer mi corazon.
Tanta sangre que se llevo el rio
Yo vengo a ofrecer mi corazon.
No sera tan facil, ya se que pasa...
No sera tan simple como pensaba
Como abrir el pecho y sacar el alma
Una cuchillada de amor.
Luna de los pobres siempre abierta,
Yo vengo a ofrecer mi corazon
Como un documento inalterable
Yo vengo a ofrecer mi corazon
Y unire las puntas de un mismo lazo,
Y me ire tranquila, me ire despacio,
Y te dare todo y me daras algo ...
Algo que me alivie un poco mas.
Cuando no haya nadie cerca o lejos
Yo vengo a ofrecer mi corazon
Cuando los satelites no alcancen
Yo vengo a ofrecer mi corazon...
Y hablo de paises y de esperanzas,
Hablo por la vida, hablo por la nada
Hablo de cambiar esta nuestra casa
De cambiarla por cambiar nomas...
Quien dijo que todo esta perdido
Yo vengo a ofrecer mi corazon.
(mercedes sosa)
Marcadores: história, latino-américa, música
05 dezembro 2006
Revirando Arquivos
"Há uma idade em que se ensina o que se sabe, mas em seguida vem outra idade em que se ensina o que não se sabe." Esta frase de Roland Barthes é instigante. Desmestifica a prática usual do ensino. Por isto ele continua seu pensameto afirmando que é preciso "desaprender", "deixar trabalhar o imprevisível" até que surja a chamada "sapiência", uma sensação de "nenhum poder, um pouco de saber", mas com "o maior sabor possível."
E num seminário em Paris praticando a errância do saber, propôs aos alunos que o encontro na classe não tivesse tema pré-determinado. O desejo inconsciente do saber é que deveria aflorar o tema. Ali os alunos deveriam não apenas desejar saber, mas saber desejar. Desejar o saber é uma primeira etapa. Mas saber desejar é refinada atitude. Entre um e outro vai a distância do canibal ao gourmet.
Como derivações das colocações de Barthes se poderia dizer: o professor pensa ensinar o que sabe, o que recolheu dos livros e da vida. Mas o aluno aprende do professor não necessariamente o que o outro quer ensinar, as aquilo que quer aprender. Assim o aluno pode aprender o avesso ou o diferente do que o professor ensinou. Ou aquilo que o mestre nem sabe que ensinou, mas o aluno reteve. O professor, por isto, ensina também o que não quer, algo que não se dá conta e passa sileciosamete pelos gestos e paredes da sala.
É, aliás, a mesma história que se dá com o texto. O autor se propõe a dizer uma coisa, mas o leitor constrói sua leitura segundo suas carências e iluminações. Por isso se equivocou Jacques Deridá a dizer que o texto escrito segue livre sem paternidade, equanto o discurso oral é tutelado pelo orador. O orador também não controla o seu discurso, pelo simples fato de estar presente. A palavra ao serpronunciada já não nos pertence. O orador é falado pelo seu discurso. Fala-se o que pensa que se sabe, ouve-se que se pensa que foi pronunciado. O setido é construido a muitas vozes e ouvidos, harmonicamente. Tinha razão o polifônico Sócrates: "a verdade não está com os homens, mas entre os homens."
Repitamos a frase de Bathes: "Há uma idade em que se ensina o que se sabe, mas em seguida vem outra idade em que se ensina o que não sabe." E adicionemos o seguinte raciocínio: e geral pensa-se que o professor é aquele que "fala", que preenche com seu encachoeirado discurso uma aula de 50 minutos ou um seminário de três horas. Este é um conceito de esino como uma atividade "oracular" da parte do mestre, que se complementa numa passividade "auricular" da parte do aluno. Contudo, assim como o espaço em branco é importante no poema, assim como a pausa organiza a música, o saber pode brotar do silêncio. O jorro contínuo de palavras pode onstentar apenas ansiedade. O conhecimento pode se instalar no entreato. O silêncio também fala. E isso que se aprende durante as ditaduras. E, por outro lado, durante as democracias se aprende que o discurso nem sempre diz.
Portanto, a audácia de desaprender o apredido, soma-se à audácia do silêncio. No princípio era o verbo. A construção do silêncio exige muitas palavras. O escritor, por exemplo, constrói uma casa de palavras para ouvir seu silêncio interior.
Comecei falando em Barthes. E aquela frase inicial dele remete não só para a questão do "saber" e do "sabor", mas do "saber" e do "poder". Na verdade, enriquece-se o saber combatendo o poder que ele aparenta. E uma forma de incrementar o poder é o "perder". Assim o melhor professor seria aquele que não detém o poder nem o saber, mas que está disposto a perder o poder, para fazer emergir o saber múltiplo. Nesse caso, perder é uma forma de ganhar e o saber é recomeçar.
E para terminar, nada melhor que uma frase de outro desconstrutor da verdade, que é Guimarães Rosa: "Mesre não é quem ensina, mas aquele que, de repente, aprende".
01 dezembro 2006
Sexo XX
Bom pro corpo
Bom pra mente
É muito bom
Principalmente
Para o coração
Também faz bem
Com chuva ou sol
Frio ou calor
Pra qualquer um
De qualquer cor
Faz bem
Fazer
De vez em quando
Dia sim e dia não
Diariamente então
É muito bom
No litoral, no campo
No sertão
Em qualquer ponto
Qualquer posição
É bom, porém
Tem um porém
O sexo vinte
Ouvinte agora tem
Uma concreta
Contra-indicação
Mas fora isso
É muito bom
(geraldo azevedo)
"Qualquer maneira de amor vale a pena..."